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Angra Jazz 2015

 

Chegar ao fim de um festival de Jazz internacional e concluir que a participação portuguesa foi o melhor do festival começa a ser normal. É verdade que as participações não nacionais estiveram abaixo das expectativas, mas o Sexteto de Jazz de Lisboa demonstrou claramente a maturidade de um Jazz que se vem construindo ao longo de décadas.

Sexteto de Jazz de Lisboa
O novo Sexteto conta hoje entre os seus membros com o jovem Ricardo Toscano – a subsituir o saudoso Jorge Reis - que, como sempre, faz desequilibrar os pratos da balança em qualquer contenda; mas o que estes olhos e estes ouvidos puderam constatar foi a modernidade e consistência do Jazz que se faz em Portugal. No que tocou a improvisadores, o concerto confirmou Toscano como ponta de lança, a par do sempre loquaz Laginha, relembrou o tantas vezes esquecido Tomás Pimentel e o, por longo tempo desaparecido (demasiado ao que pudemos observar) Edgar Caramelo. Discretos, mas seguríssimos, Mário e Pedro Barreiros foram as colunas mestras do sexteto, os dois terços da secção rítmica perfeita que Laginha completa.
Mas o melhor do concerto esteve para mim na modernidade e no engenho das composições apresentadas, a maior parte das quais remontam mesmo aos primórdios do Sexteto. E se a escrita de Mário Laginha já à altura – anos oitenta, quando gravaram o primeiro e único disco - confirmava a personalidade que desenvolveria e que fez dele um dos mais importantes e populares músicos de Jazz nacionais, a surpresa haveriam de ser as composições de Tomás Pimentel. Singular, «Opus», um tema com a subtileza de Kenny Wheeler, em andamento lento, subtil, belíssimo, com dois solos, de Pimentel e, uma vez mais, surpreendente, Toscano - que é normalmente notado pela velocidade – impressionante aqui na contenção e inspiração. Sublime! Pena que Pimentel escreva tão pouco!

Orquestra Angrajazz
O festival tinha começado no dia anterior com a Orquestra AngraJazz. A orquestra tem crescido nos últimos anos e está mais sólida e fluente, com alguns solistas a destacar-se – Paulo Borges, Rui Melo, Antonella Barletta, um novo saxofonista de Ponta Delgada, Luis Senra, e uma cantora, Sara Miguel, que se tem revelado uma mais valia para a orquestra.
Creio que a orquestra, como notámos no ano passado, se dá melhor com os temas swingados, que deveria explorar: claramente Ellington ou Count Basie deveriam ser sempre os compositores privilegiados. A orquestra retrai-se nos arranjos mais modernos, enquanto se abre e se sente a alegria no Jazz antigo. Continua a notar-se a quase ausência dos trombones, substituídos pelas menos velozes trompas, o que retira força e maleabilidade à orquestra. Também o arranjo de Sara Miguel para o «Night and Day» vulgarizou o tema e algum scat abrasilerado deveria ser evitado. Interessante é o toque de stride que Barletta vem introduzindo, e as prestações de Paulo Borges no trompete e fliscórnio apontam o caminho a seguir. A orquestra esteve especialmente bem nos dois temas de Charles Mingus, «Goodbye Pork Pie Hat» e «Nostalgia in Times Square». Ricardo Toscano foi o convidado da orquestra em 2015.
Uma orquestra que cresce e que paulatinamente rompe com a insularidade que a constrange, ocupando já um lugar de honra entre as grandes formações se Jazz nacionais.

René Urtreger
A primeira noite completou-se com o veterano René Urtreger, um dos notáveis do Jazz clássico francês, um músico que ganhou notoriedade nos anos 60 pela colaboração com Miles Davis na banda sonora do film noir Ascenseur pour l’échafaud.
Um bopper elegante, assim o definiríamos, com um estilo que os anos moldaram, com a sabedoria da história do piano Jazz nos dedos - aqui mais veloz, ali sobrepesando os dedos, aqui dramático, ali preguiçoso, bem humorado, generoso.
À frente de um trio eficaz, Urtreger evocou Charlie Parker, Thelonious Monk, Bud Powell, Dizzie Gillespie ou Count Basie, num concerto despretensioso: a verdade e a alegria do Jazz clássico.

Jeff Denson
Um outro veterano, verdadeiramente um dos grandes inovadores do Jazz sobrevivos, foi a estrela do concerto de Jeff Denson. Infelizmente – sem culpas para Konitz – a liderança de Denson revelou-se um longo equívoco, incompreensívelmente easy listening para um grupo de bons músicos. Konitz tocou, bem – do alto dos seus oitenta e oito anos de idade - e cantou, scat, numa inglória tentativa de salvar o concerto. E concluiria que a sua presença foi uma verdadeira lição de Jazz, que Jeff Denson (seu aluno) não pareceu ter aprendido.
Os dois temas de Lennie Tristano - «Baby» e «East 32nd Street» e o clássico de Konitz «Subconscious-Lee» foram os momentos altos da noite, com mérito para Lee Konitz.

Tord Gustavsen
O festival acabou atribulado pelo atraso involuntário de Gregory Porter, que obrigaria o festival a prolongar-se por mais um dia. O sábado teve apenas um concerto, do ensemble de Tord Gustavsen, uma das estrelas do catálogo da editora ECM.
Composições muito simples, a privilegiar a ambiência, sempre sugestivamente fria e invernosa. A apresentação ao vivo da música de Gustavsen pôs a nu a insuficiência da construção harmónica, mesmo se ele procura uma forma de beleza obscura e hipnótica; mas a principal debilidade do grupo residiu sempre no saxofone, demasiado previsível e colado a Jan Garbarek.
Silêncio, frases que se repetem (a sugerir Steve Reich?), ostinatos, uma electrónica vaga (uma fita colocada em cima do teclado, ligada a um laptop), um ambiente quase lúgubre que a mise en scène dos músicos, a voz de Gustavsen e os rostos seráficos provocam; uma música vazia de emoção que é integrante da personalidade musical de Tord Gustavsen.
O quarteto tocou temas de Extended Circle de 2014, mas também de Restored, Returned (2009), The Well (2012) e Being There (2007).

Gregory Porter
Gregory Porter chegou enfim, no domingo. Cantou para uma plateia entusiasmada; voz calorosa, poderosa, envolvente, uma voz que não esconde a herança negra soul.
Porter fala com o público, apela às palmas como um genuíno cantor pop romântico, envolvendo a audiência, suportado por uma banda eficiente com um som muito funky e um saxofonista impulsivo, parkeriano (mais vulgar na flauta e clarinete), numa forma canção-Jazz que nunca sai fora de pé.
Repertório dos quatro discos de Porter, entre os quais os hits «Laura», «Liquid Spirit», «Be Good», ou um cover de «Papa Was a Rolling Stone».
Um bom concerto, de Jazz «popular», a encerrar o AngraJazz 2015.

Sala cheia para todos os concertos do festival, com público de outras ilhas e até do continente, a confirmar o estatuto do AngraJazz.

Fotos: Jorge Monjardino

(Leonel Santos esteve no XVII AngraJazz a convite do festival)

19 Out 2015

Qui 1 Out Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Orquestra Angrajazz com Ricardo Toscano Claus Nymark (dir), Pedro Moreira (dir), Ricardo Toscano (sa), Sara Miguel (voz), José Pedro Pires (clb), Micaela Matos (sa), Rui Borba (sa), Davide Corvelo (sa), Rui Melo (st), Luis Valdemar Dias (sb), Mauro Lourenço (st), Márcio Cota (t), Paulo Borges (t), Bráulio Brito (t), Roberto Rosa (t), Edgar Marques (trom), Gonçalo Ormonde (trom), Rodrigo Lucas (trb), Antonella Barletta (p), Paulo Cunha (ctb), Nuno Pinheiro (bat)
René Urtreger Trio Rene Urtreger (p), Yves Torchinsky (b), Eric Dervieu (bat)
Sex 2 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Jeff Denson Trio + Lee Konitz Lee Konitz (s, voz). Jeff Denson (b, voz), Dan Zemelman (p), Alan Hall (bat)
Sexteto de Jazz de Lisboa Mário Laginha (p), Tomás Pimentel (t), Edgar Caramelo (s), Ricardo Toscano (s), Pedro Barreiros (b), Mário Barreiros (bat)
Sáb 3 Angra do Heroísmo Centro Cultural e de Congressos 21.30 Tord Gustavsen Ensemble Tord Gustavsen (p), Tore Brunborg (s), Sigurd Hole (b), Siv Øyunn Kjenstad (bat)
Gregory Porter Quintet Gregory Porter (voz), Chip Crawford (p), Aaron James (b), Emanuel Harrold (bat), Yosuke Satoh (s)

Foi com o espectáculo único do lento cair da tarde na baía de Angra do Heroísmo que a Orquestra AngraJazz iniciou o curto concerto que antecipou o 17.º Festival AngraJazz. Do Passeio do Relvão os olhos eram traídos pelas canoas e veleiros que cortavam mansamente os brilhos das ondas no retorno à marina quando a orquestra encetou os primeiros acordes. Uma novidade – a excelente voz de Sara Miguel, a mais recente aquisição da orquestra-, um convidado muito especial, o jovem saxofonista Ricardo Toscano, que regressará em Outubro para o festival, e alguns momentos de humor protagonizados por um insuspeitado quarteto vocal masculino, marcaram a apresentação da orquestra que se vem afirmando nacionalmente, e que apenas teve como óbice a curta duração.

Mas os seis temas que a orquestra tocou eram apenas um amuse bouche para o festival que ocorrerá nos primeiros dias de Outubro, e que rematava a conferência de imprensa que teve como protagonistas Miguel Cunha em representação da Associação AngraJazz, o Presidente da Câmara de Angra do Heroísmo, Álamo Meneses, e o Secretário Regional dos Transportes e Turismo, Vitor Fraga.

Álamo Meneses e Vitor Fraga fizeram questão de sublinhar o seu apoio institucional ao festival, na espectativa do seu crescimento e da sua confirmação como um dos mais importantes festivais de Jazz nacionais, capazes de a si atrair também o turismo cultural, a par da ligação do festival com as demais instituições e eventos culturais da Terceira e dos Açores. O concerto do dia seguinte na Praça Velha da cidade, na abertura das festas sanjoaninas, logo a seguir ao desfile e ao discurso da rainha das festas, haveria pois de surgir naturalmente.

Miguel Cunha, um dos rostos do festival, apresentou a XVII edição do AngraJazz:

René Urtreger – um veterano que se celebrizou por tocar com Miles Davis na banda sonora do film noir L’ascenseur pour l´échafaud, e que se tornou numa das glórias do Jazz francês ao longo de mais de 50 anos -, logo no primeiro dia a seguir ao concerto de abertura, da Orquestra Angrajazz com Ricardo Toscano.

A abrir a segunda noite do festival estará outro «dinossauro», Lee Konitz, um dos grandes inovadores do Jazz, um erudito que vem influenciando gerações, e que estará no palco no segundo dia como solista do trio de Jeff Denson, um jovem que se tem notabilizado pela exploração da música de Lee Konitz. Mais tarde, ainda na noite de 2 de Outubro, tocará o Sexteto de Jazz de Lisboa, o lendário agrupamento de Jazz dos anos 80, que reunirá Mário Laginha, Pedro e Mário Barreiros, Tomás Pimentel, Edgar Caramelo e o jovem Ricardo Toscano em substituição do saxofonista Jorge Reis que nos deixou no ano passado.

Finalmente, e a encerrar o AngraJazz 2015, estarão o quarteto do pianista Tord Gustavsen, uma das estrelas maiores da editora ECM, e ainda a poderosa voz de Gregory Porter, que vem arrebatando todos os prémios para o Jazz vocal masculino dos últimos anos.

Uma vez mais programação inatacável, como vem acontecendo desde a primeira hora, a confirmar o lugar cimeiro que o Angra Jazz ocupa entre os festivais de Jazz nacionais. Soubemos que é intenção da organização atrasar o festival duas semanas a partir do próximo ano – para o meio de Outubro - para coincidir com o segundo período migratório anual dos músicos norte-americanos para a Europa. Creio que é uma boa opção porque deverá alargar a oferta e baixar alguns custos do festival, permitindo novas actividades paralelas e o fomento de outros eventos na época baixa do turismo, tornando-o mais atractivo para o turismo da cultura exterior, mas também de outras ilhas ou mesmo da Terceira.

Já referi a importância que o município e o turismo atribuem ao festival e à Orquestra Angrajazz, mas os três dias que permaneci na Terceira deixaram-me também entrever a ligação simbiótica dos terceirenses à «sua» orquestra – até porque muitos dos seus membros tocam também em várias marchas e filarmónicas da ilha –, e a importância que atribuem ao seu festival de Jazz, com inúmeros conhecedores e apreciadores. A aposta declarada da Câmara e do Turismo no AngraJazz são uma boa notícia para o Jazz, para a Cultura e para a Terceira.

Leonel Santos
(JazzLogical)

(Leonel Santos esteve na apresentação do XVII AngraJazz a convite do festival e da Secretaria Regional do Turismo)

Julho 2015